quinta-feira, 28 de abril de 2016

ENTREVISTA

“O obeso não é só alguém indisciplinado, esse preconceito tem de mudar”
ROMANA BORJA-SANTOS FOTOGRAFIA DE MIGUEL MANSO
PUBLICAÇÃO "O PÚBLICO"

23/05/2015 - 07:19
Três perguntas ao presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Obesidade, Rui Ribeiro.
 “Muitos obesos ainda nem sequer constam da lista de inscritos para cirurgia” 
Existem regras para definir quando chegou o momento de encaminhar uma pessoa com obesidade para uma cirurgia. No entanto, o presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Obesidade assegura que a vontade do doente é determinante. Rui Ribeiro salienta que estas intervenções são cada vez mais eficazes, sobretudo o bypass gástrico, e que o preço é largamente compensado pelos ganhos em saúde. O cirurgião entende, por isso, que é fundamental que o país volte a ter um Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade, a par de programas que promovam estilos de vida saudáveis.
Perante um obeso, quando é que se determina que nada mais é possível e que a solução passa pela cirurgia?
Diria que, em primeiro lugar, é quando o doente quer perder peso e tem doenças muito graves que quer controlar. Esse é o grande critério, embora existam de facto regras, como o doente ter um índice de massa corporal (IMC) superior a 40, a que chamamos obesidade mórbida, porque causa morbilidade, isto é, outras doenças associadas, como diabetes, colesterol e hipertensão. Também se recomenda a doentes com IMC acima de 35, desde que tenham duas doenças que vão melhorar significativamente com a cirurgia. Há ainda limite de idade, entre os 18 e os 65 anos. Isto é o que está nas normas portuguesas. Mas a nível internacional existem
 guidelines em que mesmo os doentes com IMC entre 30 a 35, se tiverem doenças mal controladas, podem ser candidatos a cirurgias deste tipo e também os diabéticos de tipo 2 ou pessoas acima dos 65 anos, desde que a condição do doente o permita.
Faz sentido voltar a ter o Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade, extinto em 2012?
Com certeza. Os gastos da sociedade com a obesidade e com doenças associadas, como a diabetes, a hipertensão e alguns cancros, são enormes. Sabemos que os obesos têm mais cancros, nomeadamente as mulheres, com uma incidência 2,5 vezes superior à população com peso normal, sobretudo de cancro da mama, do ovário e do endométrio – os cancros ligados às hormonas. É uma cirurgia muito eficaz do ponto de vista sócio-económico: poupa-se muito dinheiro ao Estado, às pessoas e à sociedade. Temos de criar uma rede de centros de referência, porque quanto mais casos tratarmos melhor fazemos e com menos complicações. Era preferível ter seis centros a operar 500 doentes cada do que termos 30 a tratar um número mais pequeno. Pouparíamos recursos e teríamos melhores resultados, até porque há sítios com listas de espera de três anos.

Há várias técnicas, sendo o bypass gástrico a que tem agora melhores resultados. O que muda com esta intervenção para garantir o sucesso?
O segredo está nas hormonas da fome e da saciedade que alteramos profundamente com a redução do estômago e do intestino. A obesidade é uma doença genética, ainda que com uma componente ligada à educação e ao meio ambiente. A genética é muito importante, estes doentes têm uma fome mais forte e compulsiva e não têm saciedade também porque o intestino é mais longo. Da mesma forma que os diabéticos têm uma resistência à insulina, os obesos têm uma resistência a uma hormona que é a leptina. Infelizmente o obeso não é só alguém indisciplinado e esse é um preconceito que tem de mudar.

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