O grupo Assédio Moral
Denúncia está atento, tem acompanhado alguns casos que têm chegado por e-mail, mas
essencialmente por via telefónica, muitas vezes de números privados, com
relatos muito dramáticos relativamente a situações deste foro.
Recordo-me de um caso de
assédio ascendente, com um elevadíssimo grau de violência, em que a vítima era
a chefia, directora de uma IPSS, há mais de quinze anos. No local trabalhavam
cerca de 20 pessoas.
Todos os dias era brindada
com “presentes”, rasgões nos pneus do carro, riscos e mossas, furto de bens
pessoais, nomeadamente os documentos individuais de identificação, cola na
cadeira, ramos de flores murchas com mensagem que tinha vindo de um cemitério,
da cova ao lado daquela onde ela iria ficar, fezes de animais em cima da
secretária, sacos de lixo de artigos de higiene despejados no gabinete, envio
de caixões em miniatura para a sua casa com o seu nome gravado, para além de
constantes telefonemas e bilhetes anónimos a instarem-na para se despedir caso
contrário a morte seria o caminho.
Para esta pessoa, que era
uma mulher de 52 anos, com formação superior, e sem quaisquer laços familiares
em Lisboa, a empresa era a sua vida, 24 horas por dia, por isso o caminho era
um só, acabar como o sofrimento.
Foi alvo de uma acção em
tribunal instaurada pelas colaboradoras, apesar de todas as provas perdeu a
acção ficando obrigada a pagar uma elevada indemnização.
A pouco e pouco começou a
perder a capacidade de memorização, aí entendeu que estava a ficar senil, em
simultâneo, chegou a altura da menopausa e todas as transformações que isso
acarreta no organismo feminino.
Não tinha vontade nem tempo
para ir ao médico, as tarefas que outrora realizava num ápice agora, por falta
de capacidade de concentração, pareciam nunca mais terem fim.
Perdeu radicalmente a
vontade de aceder aos grandes prazeres da sua vida, a música e a leitura.
Deixou de frequentar a vida
social, a sua aparência mudou significativamente, aumentou mais de 30 kg e o
seu cabelo começou a ficar todo branco, as rugas começaram a crivar-lhe a face.
Este era o fim da linha já
tudo estava perdido, nada mais havia a fazer.
Esta senhora procurou-nos,
timidamente e a medo.
Falámos com ela, da primeira
vez ainda nos encontrámos num café, disse-nos apenas o primeiro nome Ângela relatou-nos
alguns ataques e não quis referenciar a instituição que geria.
Apesar de lhe tentarmos
injectar outras perspectivas de vida, ficámos com a sensação que aquele seria
dos últimos momentos do final do seu tempo.
Nos dias que se seguiram tentámos
ligar-lhe uma série de vezes, o telemóvel tocava mas ninguém atendia.
Percebemos ao fim do quinto
dia, que provavelmente estaria viva, senão o telemóvel já estaria desligado.
Aqui renasceu a esperança, enviamos uma mensagem a dizer simplesmente “Olá
estamos aqui para si”.
Passadas mais de 3 horas,
recebíamos um telefonema, do outro lado, uma voz em total pranto.
A noite já ia longa e o único
lugar onde poderíamos conversar, de forma mais segura, era nas Bombas da Galp
da A5.
Já estava de baixa, ainda se
sentia mais inútil, com a total certeza de que já teria sido substituída, até
porque os últimos momentos em que esteve na empresa foram dramáticos, ela
excedeu-se, não se conseguiu controlar e desta vez por uma coisinha
insignificante.
Não sabemos como é que ela
conseguiu conduzir naquele estado tão profundo de pranto e depressão. Recusava-se
a tomar a medicação, porque ao toma-la estava a admitir a sua insanidade.
Perante a constante
insistência de que iria atentar contra a vida, propusemos-lhe uma visita, nesse
mesmo momento, ao Hospital S. Francisco de Xavier, indo no nosso carro e
deixando o dela ali mesmo, recusou liminarmente.
A fim de algumas horas
conseguimos finalmente atingir o nosso objectivo. Apesar da Ângela dizer que
queria ir no seu carro, apavorados anuímos e seguimos atrás dela. O carro
ziguezagueava na auto-estrada em grande velocidade, mas finalmente chegámos ao
destino.
Nesse dia, tivemos sorte,
estava lá mesmo naquela altura, a equipa de urgência psiquiátrica. Como ela não
queria falar, por medo e vergonha, tomámos as rédeas do assunto.
Para o bem ou para o mal o
fim da linha era ali mesmo.
A Ângela esteve internada durante
longas semanas, sempre acarinhada por nós, mesmo quando dormia.
Findo todo este processo de
reestruturação física e mental partimos para outra etapa, não menos difícil,
convencer a Ângela que o emprego fixo tinha de deixar de existir.
Durante este tempo, que foi
muito curto, encaminhámo-la para um psiquiatra que tem acompanhado algumas
pessoas nestas condições, para além da equipa de psiquiatria do hospital e da
advogada, a quem entregámos um relatório elaborado por nós mas com o
“agreement” da Ângela.
Aqui já estávamos a
trabalhar em equipa o grupo Assédio Moral Denúncia, o psiquiatra e o advogado,
é claro que tudo foi muito mais fácil para nós e para a “nossa vítima”.
A Ângela tinha dinheiro
junto que lhe permitia levar uma vida confortável, o problema dela era mesmo a
ocupação e o “amor à camisola”, também tinha familiares e uma casa perto do
Mundão, na Zona de Viseu.
Acabou com o contrato de
trabalho, o fio condutor para a morte certa, aquele que a ligava na esta
situação de terrível escravatura moral e deslocalizou a sua vida.
Assistimos à sua partida,
com os olhos rasos de lágrimas mas, com muita esperança naquela mala do carro.
O medo do desconhecido e da indefinição do futuro tolhia-lhe a alma, mas a
percepção de que tinha adquirido a condição de guerreira dos seus propósitos
levou-a a dar à ignição e arrancar com o carro. Passadas escassas duas horas,
ligou-nos a dizer que tinha chegado bem e que iria arrumar, de imediato, toda
uma vida que levava nas malas que tinha colocado no carro.
Ouvia-se a voz da esperança
a ecoar lá para os lados de Viseu.
Sabemos, porque de vez em
quando nos telefona, que está bem, voltou a ouvir música e a criar o gosto pela
leitura, mas que ainda não arranjou colocação profissional e que ainda tem
muito receio de passar por outra situação idêntica, nem sabe quando vai
conseguir ultrapassar o trauma.
Este foi um caso com muita
história e que nos fez abalar muito, psicologicamente.
Nunca nos tinha passado nada
de igual (dos subordinados para a chefia), nem nunca tínhamos imaginado tanta
maldade.
Chegámos a questionar a
nossa capacidade para ajudar o próximo, porque esta era uma situação
verdadeiramente danosa quer para a Ângela, quer para nós. O sucesso brindou o
nosso esforço e isso é muito reconfortante, sentimos que se tinha conseguido
uma réstia de justiça.
A Ângela nunca conseguiu
escrever uma palavra sobre o caso, nem nunca quis expor a sua situação
publicamente em televisão.
Teria sido importante por
configurar um caso “sui generis”, mas respeitamos a sua decisão e por isso
fizemos nós o relato.
A ângela começa çentamente a despertar para a necessidade de divulgar este caso e autorizou que fizessemos, este relato para um livro.
Estes casos não acabam quando se extingue a raiz do problema para a vítima.
Para nós, a menos que exista uma solicitação de afastamento a pedido da vítima, vamos mantendo o contacto, e oferecendo a nossa mão amiga, nem que seja à distancia , hoje quando falámos com a Ângela ela propôs-nos a publicação do caso no blog.
Obrigada Ângela por nos teres ajudado a crescer com esta experiência e por teres decidido a continuar a colorir o nosso mundo com a tua vida.
A ângela começa çentamente a despertar para a necessidade de divulgar este caso e autorizou que fizessemos, este relato para um livro.
Estes casos não acabam quando se extingue a raiz do problema para a vítima.
Para nós, a menos que exista uma solicitação de afastamento a pedido da vítima, vamos mantendo o contacto, e oferecendo a nossa mão amiga, nem que seja à distancia , hoje quando falámos com a Ângela ela propôs-nos a publicação do caso no blog.
Obrigada Ângela por nos teres ajudado a crescer com esta experiência e por teres decidido a continuar a colorir o nosso mundo com a tua vida.
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