ROUBAR COMPENSA - LEVOU O FILHO PARA ASSALTO E AINDA RECEBE 20 MIL EUROS POR DECISÃO DO TRIBUNAL
O Tribunal Criminal de Loures condenou, nesta quinta-feira, a nove anos de prisão um militar da GNR que trabalhava no posto local e que estava acusado de ter matado um jovem durante uma perseguição policial após um assalto em Santo Antão do Tojal.
Os factos remontam a 11 de Agosto de 2008, quando o jovem, de 13 anos, foi atingido a tiro pelo militar da GNR Hugo Ernano durante uma perseguição policial a uma carrinha, após um assalto a uma quinta agrícola de Santo Antão do Tojal, em Loures. Além do menor, seguiam na viatura dois homens, um deles Sandro Lourenço, o pai da criança, que estava evadido do Centro Prisional de Alcoentre. O disparo atingiu a bagageira da carrinha, onde o menor se encontrava escondido. Os elementos da GNR encontraram munições de caçadeira e uma arma de calibre 6,35 milímetros no banco de trás da viatura usada pelos presumíveis assaltantes.
Segundo o comandante do Grupo Territorial da GNR de Loures, tenente-coronel Cardoso Pereira, revelou na altura aos órgãos de Comunicação Social, durante a perseguição foram disparados tiros para imobilizar a carrinha e um deles acertou no pneu traseiro direito da viatura, obrigando à imobilização do veículo junto à Igreja de Santo Antão do Tojal, a cerca de um quilómetro da propriedade onde começou a perseguição. Outro dos disparos entrou na viatura e atingiu um rapaz de 13 anos, conhecido por "Caniggia", filho de um dos dois alegados assaltantes, que veio a falecer depois de transportado para o Hospital de Santa Maria.
A decisão final do colectivo de juízes, expressa na sentença, não foi unânime, mas sim maioritária (a juíza presidente perdeu), sendo imputado ao militar Hugo Ernano o crime de homicídio na modalidade de dolo eventual, que resultou, além da pena efectiva de prisão de nove anos, numa indemnização de 80 mil euros à família da vítima (60 mil para a mãe e 20 mil para o pai que levou o filho menor para o assalto).
Por seu turno, o pai da vítima, Sandro Lourenço foi condenado a dois anos e dez meses de prisão efectiva pelos crimes de resistência e desobediência, prestação de falsas declarações e de coacção sobre funcionários. Não foi punido pelo assalto, nem pelo facto de ter aliciado um menor – o filho – para participar no crime.
Inicialmente, o guarda da GNR tinha sido acusado de homicídio qualificado, mas durante o julgamento viu o colectivo de juízes converter a imputação para homicídio por negligência, o que resultaria numa pena mais leve, que poderia ir até cinco anos.
No entanto, parte maioritária do colectivo de juízes decidiu voltar a alterar a qualificação para dolo eventual, agravando novamente a pena do militar. A juíza presidente votou vencida e não conseguiu conter as lágrimas quando foi lida a sentença contra a qual discordava.
Durante a leitura do acórdão, a juíza relatora que assumiu a presidência do julgamento justificou a alteração da qualificação do crime com o facto de o tribunal entender que o militar da GNR “agiu com consciência dos riscos da sua acção”. O tribunal considerou que Hugo Ernano agiu de modo “inadequado e desajustado” e que revelou abuso de autoridade. O acórdão refere ainda que, durante o julgamento, o militar da GNR afirmou que “se fosse hoje voltaria a agir da mesma forma”.
Guarda abandonado
No final de sessão, o advogado do militar, Ricardo Vieira, mostrou-se “surpreendido e triste” com a sentença do Tribunal de Loures e referiu que vai recorrer da decisão. Porém, o recurso para o Supremo vai custar 9 mil euros ao militar, pai de dois filhos e que já teve de penhorar a casa para fazer face às custas judiciais, uma vez que o Comando-Geral da GNR não lhe deu qualquer apoio no processo, deixando o guarda entregue à sua sorte e sem ter ainda tomado qualquer posição sobre a pesada pena que lhe foi aplicada.
Já o advogado da família, Arrobas da Silva – causídico que foi condenado no passado dia 18 de Outubro a quatro anos e meio de prisão efectiva, depois do Tribunal do Monsanto ter dado como provados os crimes de burla qualificada e falsificação de documentos, num processo que integrava um lote de 45 arguidos acusados de vários crimes de burla, falsificação de documentos e associação criminosa -, mostrou-se “minimamente satisfeito” e admitiu que em princípio não irá recorrer da decisão.
A sessão ficou marcada pela presença na sala de alguns militares da GNR e de elementos da Associação Prática da Guarda (APG).
Em declarações aos jornalistas, Nuno Guedes, da APG, lamentou a condenação do colega, referindo que a decisão vai “desmotivar ainda mais” os militares da GNR.
“Vai ser muito complicado para o comando acalmar os profissionais e explicar esta situação. Uma das principais missões da GNR é zelar pelos bens de terceiros e era isso que o Hugo Ernano estava a fazer”, salientou.
Centenas de militares da GNR estão indignados com esta decisão e ponderam mesmo entregar as suas armas nos postos onde prestam serviço. “Se somos punidos por usar as armas em defesa dos cidadãos, o melhor é nem as termos”, desabafou ao Notícias Sem Censura um guarda do posto de Sintra da GNR, solidário com o colega do concelho de Loures.
Carlos Tomás*
*com Agência Lusa e jornal Público